“Saia daqui!” gritou o gerente enquanto o garoto recolhia os jornais do chão. “Volte quando puder pagar por alguma coisa, pirralho!”

Dezembro. O vento de Chicago cortava como vidro polido.

Doze anos de idade. Thomas “Tommy” Collins tentava enfiar as mãos mais fundo nos bolsos finos de seu casaco. Seus sapatos tinham furos tão grandes que ele poderia muito bem estar descalço sobre o concreto congelado.

“Extra! Extra! Notícias da noite!” sua voz aguda mal cortava o uivo do vento na LaSalle Street.

Ele estava em seu posto de sempre: em frente ao Edifício Harrison, uma torre de granito e vidro que parecia perfurar as nuvens cinzentas. Ele olhava para dentro, para o lobby que brilhava como ouro, homens de sobretudos caros rindo, protegidos do mundo.

Tremia tanto que mal conseguia segurar os jornais. Por apenas um segundo, ele se esgueirou para dentro das portas giratórias, apenas para escapar da rajada de vento mais forte. O calor do aquecedor o atingiu como um cobertor.

“Ei! O que você pensa que está fazendo?”

A voz era afiada, arrogante. Um jovem de vinte e poucos anos, vestindo um terno que provavelmente custava mais do que Tommy ganharia em um ano, marchou em sua direção. Era Arthur Harrison, o filho do dono.

“S-só me aquecendo, senhor. Eu saio em um segundo.”

Arthur zombou, seu rosto se contorcendo em desgosto. “Este lobby não é um abrigo para… gente como você. Não suje o mármore. Saia. Agora.”

Ele não apenas mandou. Ele empurrou Tommy com força no ombro.

Tommy tropeçou para trás, seus jornais se espalhando pela calçada molhada. As poucas moedas que ele tinha ganhado rolaram e caíram em um bueiro.

Humilhação. Queimava mais frio que o gelo.

Arthur Harrison o observou pegar seus jornais encharcados, balançou a cabeça com nojo e voltou para dentro, para o calor.

Tommy cerrou os dentes com tanta força que sua mandíbula doeu. E então ele correu. Correu descalço pela chuva gelada, não do frio, mas da raiva. Ele tinha algo que ninguém podia tirar dele: o sonho de nunca, jamais, ser humilhado novamente.

Vinte e cinco anos depois, o vento de Chicago ainda era implacável.

Mas desta vez, Thomas Collins saiu de um sedã preto que parou suavemente em frente ao Edifício Harrison. Seu sobretudo era de caxemira. Seus sapatos eram italianos e brilhavam.

Ele entrou pelo mesmo lobby. O mármore frio era o mesmo, mas agora estava sob seus pés, não sob seus sonhos. O segurança atrás de uma nova mesa de mogno levantou o olhar.

“Posso ajudá-lo, senhor?”

“Eu tenho uma reunião,” disse Thomas, sua voz calma e profunda. “Com Arthur Harrison.”

“E seu nome, senhor?”

“Thomas Collins.” Ele fez uma pausa e deu um sorriso contido. “Diga a ele que o garoto dos jornais voltou.”

O segurança piscou, confuso com a mensagem estranha, mas a autoridade na voz de Thomas era inegável. Ele pegou o interfone. “Senhor Harrison… há um… Thomas Collins… aqui para vê-lo. Ele diz que é o… garoto dos jornais?”

Houve um longo silêncio no interfone. Então, uma resposta curta e abafada.

Minutos depois, o mesmo homem apareceu. O cabelo antes impecável de Arthur Harrison estava agora completamente grisalho e ralo. O terno caro estava amarrotado, a gravata afrouxada. Seus olhos, antes afiados e cruéis, agora estavam fundos e perpetuamente cansados.

Ele parou a dez metros de distância. A cor sumiu de seu rosto.

“Tommy…?”

“Thomas,” ele corrigiu suavemente. “E eu prefiro ‘Senhor Collins’, em um contexto de negócios.”

“O que… o que você quer?” A voz de Arthur era um sussurro rouco. “O que você está fazendo aqui? Veio se gabar?”

“Eu não tenho tempo para me gabar, Arthur,” disse Thomas, caminhando em direção ao escritório que ele um dia só pôde ver de fora. “Vim fechar um negócio.”

Arthur o seguiu, atordoado, até a sala de conferências. Thomas colocou sua pasta de couro de US$ 5.000 sobre a mesa de mogno polido.

“Este prédio está à venda, não está?” Thomas perguntou retoricamente. “Na verdade, isso não está correto. Este prédio estava à venda. O banco executou a hipoteca secundária na semana passada, depois que seu último grande inquilino quebrou o contrato. Eu comprei a dívida.”

Ele abriu a pasta e girou os documentos para que Arthur pudesse ver. “Estou aqui para finalizar a aquisição. O Edifício Harrison agora pertence à Collins Real Estate.”

Arthur Harrison ficou mudo. Ele se deixou cair em sua cadeira, as mãos tremendo.

Thomas olhou pela janela, vendo a cidade de uma altura que ele costumava apenas imaginar.

“Hoje eu não vendo mais notícias, Arthur… eu compro os prédios onde elas acontecem.”

O homem mais velho balançou a cabeça, completamente derrotado. “Eu nunca… eu nunca imaginei que você…”

“Nem eu,” respondeu Thomas. Sua mente vagou. Ele não se lembrou apenas; ele sentiu. Ele sentiu o cheiro de papel velho da biblioteca pública onde passava as noites, aprendendo sobre finanças e direito imobiliário porque não podia pagar a faculdade. Ele sentiu o gosto do café instantâneo queimado às 3 da manhã, enquanto estudava para seu exame de corretor.

Ele lembrou-se do terror e da alegria de fechar seu primeiro cliente, uma comissão de oitocentos dólares que pareceu um milhão. Lembrou-se de pular refeições para economizar para o depósito de seu primeiro imóvel. Cada ‘não’ que ouviu, cada porta fechada na sua cara, foi um tijolo. E ali estava ele, parado no topo do muro que construiu.

Quando ele assinou o documento final, o silêncio na sala era pesado.

Arthur finalmente levantou a cabeça, seus olhos brilhando de uma vergonha antiga.

“Sinto muito, Thomas.” Sua voz falhou. “Aquele dia… com a chuva. Eu… eu era um garoto estúpido. Meu pai estava me pressionando tanto para ser ‘forte’, para ‘manter a imagem’. Eu queria parecer o chefe. Eu não tinha o direito de… de tratar um menino daquele jeito.”

Thomas o observou por um longo momento. A raiva que ele carregou por uma década havia se solidificado em ambição, e essa ambição agora havia se transformado em paz.

Ele fechou a pasta.

“Não se desculpe, Arthur,” disse Thomas, sua voz sem malícia. “Aquela humilhação foi o melhor investimento que alguém já fez em mim. Você me deu o combustível que eu precisava. Você me ensinou que esperar no calor dos outros é um jogo perdido. A única maneira de se aquecer era construir meu próprio fogo.”

Thomas se levantou e ajeitou o terno.

Ele saiu do escritório, atravessou o lobby e passou pelas portas giratórias.

Lá fora, a chuva caía forte, exatamente como naquela tarde, décadas atrás.

Ele parou na calçada. Desta vez, Thomas não correu.

Ele ficou parado, com o passo firme, e inclinou a cabeça para trás, deixando a água fria escorrer pelo seu rosto. Seus sapatos de couro italiano de dois mil dólares estavam encharcados em segundos.

Ele nunca se sentiu tão aquecido em toda a sua vida.

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