
O silêncio era tão denso que quase dava para senti-lo entre os dedos. Aquele tipo de silêncio que preenche um restaurante quando o amanhecer ainda não acendeu totalmente as luzes, e as mesas parecem prender a respiração da noite anterior. Sophia esfregava um copo sem realmente vê-lo, perdida em pensamentos que pesavam mais que o cansaço.
O aluguel. As contas médicas de seu irmão. As horas extras. Às vezes, a vida fica tão pesada que até respirar parece um trabalho.
E no meio daquele vazio tranquilo, ele entrou.
Alex. O homem que estampava capas da Forbes, entrevistas, manchetes. Terno perfeito, passos medidos, a expressão tensa de quem aprendeu a esconder demais.
Ele não deveria estar ali. Aquele lugar era para pessoas cansadas, não para titãs da indústria com mundos em suas mãos. Mas lá estava ele. E quando olhou para Sophia, o silêncio se tencionou como uma corda prestes a arrebentar.
“Posso me sentar?”, ele perguntou, com uma voz que traía uma hesitação imprópria para alguém como ele.
Ela apenas assentiu.
Alex sentou-se no balcão, inspirou e ficou um segundo sem falar, como se preparar as palavras lhe doesse.
“Preciso lhe pedir algo… inusitado”, disse ele por fim, quase inaudível. “Muito inusitado.”
Sophia pousou o copo no balcão. Seus dedos tremiam um pouco. Ela podia sentir que algo importante estava prestes a acontecer, embora não pudesse explicar o porquê. “Estou ouvindo”, ela sussurrou.
Alex apertou os punhos sobre o balcão, respirou fundo e soltou, quase de uma vez. “Eu lhe pagarei vinte mil dólares se você fingir ser minha namorada amanhã. Apenas um dia. Para minha mãe.”
Sophia arregalou os olhos, incapaz de processar a frase. O som de uma colher de café caindo no chão da cozinha quebrou o ar. Um som mínimo, mas suficiente para anunciar uma mudança irreversível.
“Você quer o quê?”
“Minha mãe está doente”, explicou Alex, engolindo em seco. “O aniversário dela é amanhã. Ela me pediu para levar ‘alguém especial’. Eu não consegui dizer não. Mas eu não tenho ninguém.” Ele fez uma pausa. “Não… nesse sentido.”
Sophia sentiu o silêncio voltar, desta vez mais pesado. Vinte mil dólares. Essa quantia resolvia seu ano, não apenas sua semana. Resolvia o tratamento de seu irmão.
E, no entanto, o que a fez assentir não foi o dinheiro. Foi o olhar quebrado de Alex, um olhar que pedia ajuda sem pronunciar a palavra.
“Está bem”, disse ela por fim, com a voz suave. “Amanhã. Eu vou com você.”
Alex fechou os olhos por um instante, como se aquela pequena frase o aliviasse de um peso invisível.
Às oito horas em ponto do dia seguinte, um sedan preto e silencioso parou em frente ao restaurante. O motor roncava baixo, como se pertencesse a outro mundo. Sophia saiu, usando um vestido simples que ela mesma havia remendado horas antes, as mãos tremendo de nervosismo ou talvez de incerteza.
Alex saiu do carro e olhou para ela. Não foi um olhar superficial. Ele ficou parado, realmente parado.
“Você está…” ele começou, mas não terminou.
Sophia deu um meio sorriso. “Pronta?”
“Pronto”, respondeu ele, embora não parecesse.
A casa não parecia uma mansão; parecia uma lembrança calorosa. Paredes cobertas de hera, janelas abertas deixando entrar o cheiro de pão fresco e flores, corredores cheios de luz suave. Nada ostentoso, nada frio.
E lá estava ela. Eleanor. Sentada em uma cadeira de balanço, envolta em uma manta macia, com olhos que pareciam ter visto coisas demais, mas ainda guardavam uma faísca viva.
“Alex!”, exclamou ela, abrindo os braços. “Pensei que chegaria atrasado, como sempre. E ela…” Os olhos de Eleanor brilharam ao ver Sophia. “Ela deve ser…”
Alex congelou.
Sophia deu um passo à frente, com um calor que nem sabia que possuía. “Eu sou Sophia. É uma honra conhecê-la, Sra. Sterling.”
Eleanor pegou as mãos dela. Sua pele era frágil e quente, como uma folha de papel antigo conservada com amor. “Obrigada por vir, querida”, sussurrou ela. “Meu filho costuma ser tão sozinho. Eu me preocupava que ele nunca encontrasse alguém que realmente gostasse dele.”
E ali, bem ali, Sophia sentiu algo quebrar dentro dela. Você já ouviu uma verdade tão suave que dói mais que um grito?
O dia fluiu como se o tempo tivesse sido amaciado. Conversas entre risadas, silêncios que não incomodavam, olhares que diziam mais que palavras. Às vezes, mesmo entre mentiras, a vida abre caminho e se torna real. Eleanor os observava com uma doçura que fazia cada gesto parecer importante, como se estivesse colecionando memórias.
Durante o almoço, ela pediu uma foto. “Só uma. Para eu guardar perto de mim”, disse ela com um sorriso.
Sophia se aproximou de Alex, mais do que teria pensado ser possível. Ela podia sentir o calor do braço dele contra o seu. Podia ouvir a respiração contida que ele tentava disfarçar.
Clique.
A câmera capturou o instante. E no peito de Sophia, algo se acendeu, ou se partiu, ou ambos.
Quando o sol começava a cair, pintando o céu de laranja e roxo, Eleanor pediu para falar com Sophia a sós. Ela a levou ao jardim, onde as folhas se moviam com um vento suave que parecia murmurar segredos.
“Eu sei que você não é namorada dele”, disse Eleanor, sem rodeios.
Sophia ficou sem ar.
“Dá para notar”, acrescentou a mulher, tocando sua mão. “Eu sou mãe. Conheço os olhos do meu filho. Ele não olha assim para ninguém.” Ela fez uma pausa. “Faz anos que não o vejo olhar para alguém como ele olha para você.”
Sophia sentiu uma lágrima escapar sem permissão. “Eu não queria enganá-la”, sussurrou ela.
“Você não enganou”, respondeu Eleanor, com uma doçura impossível. “Hoje, ele sorriu. De verdade. E isso vale mais para mim do que qualquer verdade. Se puder”, ela apertou a mão de Sophia, “não o deixe sozinho depois de hoje. Ele carregou suas dores por tempo demais.”
Mais tarde, quando voltaram para o carro, a noite estava clara e cheia de estrelas. O ar estava frio, mas não aquele frio que machuca; era um frio que desperta.
Alex se apoiou na porta antes de abri-la. Ele parecia cansado, mas de um cansaço diferente, emocional, antigo.
“Obrigado, Sophia”, disse ele finalmente. “Não por fingir. Por fazê-la feliz. Por tudo.”
Ela se aproximou um pouco. “Sua mãe sabe a verdade”, sussurrou ela. “Ela me disse.”
Alex fechou os olhos. Derrotado. “Ela sempre sabe. Nunca consigo esconder nada dela.”
“Bem”, respondeu Sophia, com um pequeno sorriso se formando, “hoje você não pareceu tão terrível em mentir.”
Alex ergueu o olhar para ela e, pela primeira vez, não havia máscaras, não havia armadura. Havia apenas um homem com medo de querer algo real.
“Sophia”, ele disse, a voz baixa, “se eu pedisse para que isso… não terminasse aqui… o que você diria?”
Ela sentiu o mundo inteiro parar, como um filme em câmera lenta, como uma pergunta feita do lugar mais vulnerável da alma.
Sophia respirou o ar frio da noite e disse: “Eu não diria não.”
Alex soltou um ar que parecia estar segurando há anos. E ali, sob as estrelas, duas pessoas que começaram com uma mentira descobriram uma verdade que nenhuma delas esperava encontrar. Às vezes, o que começa por necessidade acaba revelando o que mais fazia falta. Companhia. Ternura. Esperança.
Às vezes, fingir amor abre a porta para algo que já não se pode mais fingir.